sexta-feira, 12 de abril de 2024

Salgado no saco de papel

Toda vez que pego um ônibus, para qualquer bairro que seja, sempre tem alguém comendo uma coxinha ou um pastel num saco de papel pardo com uma mancha úmida de gordura. A pessoa abre o saco, puxa o salgado um pouco para fora, dá uma mordida, passa a língua entre os lábios para tirar os farelos, enfia o salgado de volta no saco e começa a mastigar, tampando a boca com umas das mãos. Tudo isso com uma postura encurvada, quase corcunda, e um olhar desconfiado para os lados, como se estivesse comendo escondido, com medo de alguém pedir um pedaço. Eu que não seria. Nem aceitaria se me oferecesse. Mas só pelo egoísmo, fico desejando que tenha uma baita duma azia.

Acho que nem todo mundo pára para pensar com mais frieza nos detalhes da forma que deveria. Além do ônibus não ser o local mais indicado para se fazer um lanche, por causa da quantidade enorme de gente que colocou as mãos no mesmo lugar que você, pessoas de higiene duvidosa, por exemplo, não se pode esquecer que você pegou no dinheiro para pagar o salgado e a passagem. Qual foi a mão que segurou aqui e ali? Qual foi a que pegou no dinheiro? Qual vai segurar o saco engordurado? Qual vai puxar e enfiar o salgado de volta no saco?

Quando vejo uma pessoa comendo naquele lugar, tudo isso passa pela minha cabeça e meu estômago já fica embrulhado. Se estiver com fome, perco o apetite na hora. Mas ela, não! Ela está lá, com aquela mão suja, se deliciando com aquele salgado como se ele fosse a refeição mais deliciosa desse mundo, tão gostosa que vai mastigando, mastigando, mastigando e nunca engole. Na maioria das vezes demora uns 10 minutos para dar mais uma mordida. Sempre deixando cair um monte de farelos na blusa que, se for de lã, que é a que agarra mais, acaba virando uma árvore de Natal de casquinhas de pastel, pedacinhos de carne moída, fiapinhos de frango, entre outros “enfeites”.

Mas o pior de tudo mesmo é a pessoa ser egoísta. Apesar de estar comendo um lanche gorduroso, sujo e babujado, ela acha que todos os outros passageiros do ônibus estão mortos de fome a ponto de não conseguir esperar chegar ao destino para comer alguma coisa e cobiçam seu salgado como se ele fosse a última comida disponível na face da Terra. Cada vez que o ônibus pára em um ponto, parece que dá para ver escrito na cara dela: “menos um” ou “menos dois”.

Chega uma hora que, por estar satisfeita, ou por estar com muito medo de dividir, a pessoa simplesmente pára de comer, guarda o restante no saco, dobra ele várias vezes e guarda dentro de uma bolsa ou mochila para terminar mais tarde. O que acontece depois, nunca vou saber. Eu sempre desço antes.

quarta-feira, 10 de abril de 2024

Raquete de matar pernilongo

A raquete de matar pernilongo me proporciona um certo prazer. Confesso que acho esse prazer um tanto quanto estranho, mas sei, também, que o compartilho com muitas outras pessoas. Lá no meu prédio mesmo, já ouvi aquele estalo que ela produz quando algum inseto encosta na sua trama eletrificada vindo de janelas de diversos apartamentos. Tem dias que parece até que estou jogando tênis com um dos meus vizinhos, eu dou uma raquetada de cá e escuto o estalo da raquete dele de lá. Outros dias tenho a impressão que estou ouvindo metralhadoras.

A responsável pelo desenvolvimento dessa raquete deve ser a indústria do entretenimento, que quis trazer a emoção dos videogames para a vida real. Eles pensaram em tudo: elementos do esporte, de jogos de estratégia e de guerra. Caçamos sem precisar de uma licença, nem curso para aprender a utilizar uma arma de fogo. É uma "diversão" que ajuda a descarregar nossa raiva, sede de vingança e a suar um pouco, assim como no esporte.

Existe um ditado que diz que "a vingança é um prato que se come frio", mas quando se trata de pernilongos, a minha vingança é em forma de churrasco. Já disse que eu mesmo acho estranho, mas o prazer de ver aquele mosquito agarrado na raquete enquanto a gente segura o botão e ele vai torrando, deixando subir uma fumacinha, inseticida nenhum é capaz de proporcionar.

Sou sádico? Sou! Mas esse bicho também é. A gente acaba de espantar e ele volta para a nossa orelha. Uma picada na perna ou no braço é ruim, coça, mas o zumbido na orelha é só para atrapalhar a gente a dormir mesmo, ele nem pica ali. Só estou jogando o jogo dele.

quarta-feira, 3 de abril de 2024

Filosofia da bermuda e do chinelo

Quando você vê uma pessoa de bermuda e chinelo, pode ter certeza de que ela está tranquila, não está devendo nada para ninguém, nem dinheiro, nem satisfação, ela está "de boa", está com a cabeça livre e leve, só relaxando, só vivendo e curtindo a vida em paz. Se estiver na beira de uma piscina, tomando alguma bebida num copo bacana com bastante gelo e um canudo daqueles de dobrar então...

Sou mais ou menos esse tipo de pessoa, o que muda é o copo, que no meu caso é o americano, e o conteúdo dele, uma cerveja bem geladinha com um colarinho de uns dois ou três dedos de espuma, daqueles que deixam até um bigodinho branco na gente. Esse bigode faz o papel do canudinho. A piscina é a mesma.

É nos detalhes que está o segredo das coisas. Sou bastante observador e consigo interpretar bem o significado de cada um deles, só não sei explicar como faço isso. A piscina representa a alma da pessoa porque a água é cristalina. A bermuda é leve e arejada, o chinelo também, e não aperta os pés.

Acho que todo mundo trabalha pensando na bermuda e no chinelo que ficaram em casa. Passar um dia inteiro de calça e sapato, principalmente no calor, representa muito bem o peso de se ter compromissos e prazos para cumprir. Ao final do dia, quando conseguimos entregar o resultado de tudo o que fizemos, o que mais queremos é chegar logo em casa, tomar um banho, vestir a bermuda e calçar o chinelo.

O significado da bebida, do copo, do gelo, do canudo de dobrar e do bigode de espuma eu não sei. Provavelmente minha cabeça acabou inventando, mas, pelo menos para mim, faz muito sentido.

terça-feira, 19 de março de 2024

Eu vi o funk brasileiro nascer

Nos anos 90, os bailes para dançar tocavam principalmente Dance Music, mas um outro estilo estava cada vez mais presente, o Freestyle, que também era chamado de Miami Bass. Todo mundo que é dessa época sabe quem são Tony Garcia, Stevie B e Afrika Bambaataa. Mesmo quem não sabe, pelo menos cantarola uma ou outra de suas músicas. Até quem não gostava.

Nessa época, quem era adolescente ficava doido para completar 16 anos e poder sair sozinho (sem os pais) à noite, mas, para isso, era necessário convencê-los a ir com a gente ao Juizado de Menores, preencher e assinar uma autorização. Depois de conferir a papelada, o Juizado confeccionava uma carteirinha com a nossa foto, nossos dados e a autorização. Assim, a gente já estava liberado para ir nos shows e bailes, mas tinha que esperar o dia da mesada e insistir muito para os nossos pais deixarem.

Quando comecei a ir em bailes, eles começavam às 19h e iam até às 22h. Acho que esse horário era por causa da idade da gente, o que, também, não nos permitia entrar na área do bar, que ficava no andar de cima. A gente tinha que beber nos bares pelo caminho para depois entrar e, quando o baile acabava, a gente voltava para os bares.

O que prevalecia nesses bailes ainda eram os cantores internacionais, mas já surgiam os primeiros remixes dessas músicas feitos por DJs brasileiros, como o DJ Marlboro, por exemplo. Depois vieram os primeiros MCs brasileiros, que gravavam suas músicas usando as batidas estrangeiras prontas, algumas eram só versões mesmo. Surgia, assim, o Funk Melody e o Charme, um mais dançante e o outro mais romântico.

Enquanto Latino, Copacabana Beat, MC Marcinho, Claudinho e Buchecha, entre outros, cantavam seus sucessos em todas as rádios e programas de TV, equipes de som, como a Furacão 2000 e a Pippo's, promoviam bailes gigantescos com vários DJs tocando montagens e MCs cantando. Foi assim que surgiram os paredões de som, disputas de Lado A e Lado B, rivalidades e brigas e os bailes começaram a ser proibidos em todo o Brasil.

Os donos das equipes, que agora já eram empresários, lutaram pela liberação dos bailes, com regras para os frequentadores, e por uma legislação. Eles conseguiram voltar a promover seus eventos, mas naquele momento já estava surgindo o Funk Proibidão, que tocava em bailes clandestinos e estava se popularizando. No Proibidão, o que reina são os palavrões e a descrição explícita que o MC faz de sua vida íntima. Acabaram as letras, acabou a melodia e acabou, também, o meu gosto por este estilo musical. Restaram apenas, numa gaveta do guarda-roupa, uns CDs dos anos 90, que às vezes ouço no meu antigo Discman.

terça-feira, 12 de março de 2024

O faroleiro

Era só o facho de luz o que se avistava e o que avisava, ao longe, enquanto girava na escuridão, a quem vinha e trazia as coisas novas, que ali estava, ilhado, um coração. Desde o dia em que ele se apagou, para nunca mais voltar a acender, só restou a escuridão das coisas velhas que já estavam ali guardadas, na alma, e que ficariam enterradas para sempre na memória de quem ficou.

quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Corpo

O lençol o delineava. Ao mesmo tempo que cobria, revelava, desenhava. Mais curvas que retas. Percorri-o, às vezes com mais ou menos velocidade, mas nunca com pressa. No final, ficou a certeza de que nunca vai acabar.